Ao Eminentíssimo Senhor Cardeal Vicente Scopelli
Prefeito do Dicastério para os Bispos
Palácio das Congregações
Cidade do Vaticano

ARQUIDIOCESE DE SÃO PAULO
Gabinete Arquiepiscopal
Eminentíssimo Senhor Cardeal,
Com o devido respeito à Cúria Romana e à estrutura hierárquica da Santa Igreja, escrevo a Vossa Eminência como quem carrega o peso diário da missão episcopal em uma das mais populosas, dinâmicas e desafiadoras metrópoles do mundo. Esta carta não é fruto de exaltação emocional nem de impaciência pastoral, mas sim de um juízo amadurecido pela realidade concreta que se impõe diante de meus olhos — e que exige um posicionamento claro, enfático e, se me permitem, profético.
A nomeação de Dom Gabriel de Orléãns e Bragança como Bispo Auxiliar desta Arquidiocese tem-se revelado um equívoco de consequências danosas. Em apenas duas semanas, o referido prelado tornou-se símbolo de indiferença e desprezo, não apenas pelos compromissos litúrgicos e pastorais desta Sé Metropolitana, mas sobretudo pelo povo de Deus que aqui caminha, luta e crê.
Recusou-se, deliberadamente, a participar da Semana Maior, incluindo a solene Missa da Unidade, celebrada com o clero inteiro da Arquidiocese em fraterna colegialidade. Sua ausência — escancarada, notória, sem qualquer justificativa canônica ou pastoral — causou profundo escândalo, tristeza e perplexidade entre os presbíteros, religiosos e fiéis. Foi, para todos nós, um ato de negação do próprio significado de sua ordenação episcopal.
Como se não bastasse, ostentando o título de Prefeito do Culto Divino — função que deveria exercer com zelo e amor à liturgia — Dom Bragança impôs um silêncio desolador sobre a preparação espiritual da Semana Santa. Pela primeira vez em anos, não houve subsídios litúrgicos, livretos celebrativos ou instruções claras aos sacerdotes. A sagrada liturgia, alma da vida eclesial, foi deixada à própria sorte. Não se trata de um simples lapso organizacional: trata-se de negligência formal, consciente, reiterada. Um verdadeiro desterro espiritual.
Eminência, o que aqui se denuncia não é apenas a falha de um indivíduo, mas a reedição de um erro sistêmico: a imposição de perfis clericais oriundos dos corredores estéreis da Cúria Romana a contextos pastorais que exigem sensibilidade, encarnação e entrega. Dom Gabriel, herdeiro do tradicionalismo clerical que há tempos tento advertir e combater, revelou já em palavras que considera nossa Igreja particular “liturgicamente indigente” e “espiritualmente desordenada”. Seu desprezo pelo que somos, pelo que construímos pastoralmente, não é mais velado: é explícito, é cínico, é ofensivo.
São Paulo não é um museu da tradição, nem uma província a ser "civilizada" pela nostalgia romana. É uma Igreja viva, encarnada nas periferias e nos becos, nos sindicatos e universidades, nas comunidades e nos altares. Aqui se celebra o Deus da vida e da justiça, com as marcas que o Concílio Vaticano II nos confiou.
Assim, diante da situação que se agrava e da total incapacidade de Dom Gabriel Bragança em exercer seu munus episcopal, REQUEIRO, em nome da dignidade desta Igreja e do povo que me foi confiado, o seu AFASTAMENTO IMEDIATO. Não apenas por omissão de funções, mas por incompatibilidade profunda com os princípios pastorais que regem esta Arquidiocese.
Peço a Vossa Eminência que se escute este clamor com a seriedade que ele exige. Não podemos mais suportar que a pastoral concreta das igrejas locais seja sistematicamente comprometida por nomeações que desconsideram nossa realidade. O clericalismo que ainda paira sobre as estruturas romanas tem sido um obstáculo à missão da Igreja em nosso continente, e o caso de Dom Gabriel é apenas o sintoma mais recente.
Reitero minha fidelidade ao Sucessor de Pedro, o Papa Urbano, e minha disposição de colaborar com a Santa Sé, mas não em silêncio cúmplice. A caridade pastoral exige a verdade, e a verdade, neste momento, me obriga a ser duro.
DADO E PASSADO na Cúria Metropolitana de São Paulo, décimo nono dia do mês de abril do ano de dois mil e vinte e cinco, no “Ano da Esperança”, convocado pelo Santo Padre, o Papa Urbano, sob o Sinal e Selo de Nossas Armas.
